FREUD, Sigmund. Totem e Tabu e Outros Trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1974. p. 20-191.
Poder-se-ia sustentar que um caso de histeria é a caricatura de uma obra de arte, que uma neurose obsessiva é a caricatura de uma religião e que um delírio paranoico é a caricatura um sistema filosófico. (p. 95)
Como o próprio autor cita no prefácio da primeira edição, Totem e Tabu representa “uma primeira tentativa de minha parte de aplicar a técnica psicanalítica à solução de alguns problemas não resolvidos da psicologia social” (p. 17). Os problemas se referem basicamente a duas questões: a origem da proibição do incesto, fato comum a quase todas as culturas, e a origem das religiões. Freud diz que a cooperação entre antropólogos, filólogos e pessoas que estudam o folclore, junto com os psicanalistas, poderá ser proveitosa para pesquisa sobre as questões de psicologia social não resolvida. O texto faz uma extensa coletânea e análise de informações compiladas e publicadas por Frazer, Wundt, Rivers, Spencer, Boas, entre outros pensadores que se dedicaram a compreender os povos primitivos da Austrália e de ilhas do Pacífico onde regras e proibições coletivas existem na forma de um ou mais tabus.
Freud inicia sei texto considerando os povos selvagens como muito próximos dos povos pré-históricos e diz que "sua vida mental deve apresentar um interesse peculiar para nós, se estamos certos quando vemos nela um retrato bem conservado de um primitivo estágio de nosso próprio desenvolvimento" (p.20). E afirma que existem semelhanças entre a descrição antropologia dos selvagens e a descrição psicanalítica dos neuróticos. É essa semelhança que o conduzirá ao longo do texto, que chegará ao final com a conclusão de que o totemismo e a exogamia tiveram uma origem simultânea.
Freud adverte o leitor (p.127) das dificuldades que qualquer afirmativa feita sobre o tema tem que enfrentar, na medida em que se baseia em observações coletadas em que o observador dos fatos não é o mesmo que o analisou e discutiu: os observadores geralmente foram viajantes e missionários enquanto que os estudiosos podem nunca ter posto os olhos sobre os objetos de sua pesquisa. Está provavelmente descrevendo Frazer, de cuja obra retirou muitos exemplos. Outros problemas são levantados: um é que a comunicação com os primitivos é feita em uma língua semelhante ao inglês, compreendida pelos nativos, que só se comunicam depois de alguns anos de contato; outra é que os nativos não se encontram em seu estágio inicial de desenvolvimento e que muitos de seus costumes e cultura original podem ter se modificado e adulterado; por fim, a podemos interpretar mal os homens primitivos e estamos sempre prontos a interpretar suas ações e sentimentos a partir de nossas próprias visões.
O texto é dividido em quatro partes:
- O Horror ao Incesto
- Tabu e Ambivalência Emocional
- Animismo, Magia e a Onipotência dos Pensamentos e
- O Retorno do Totemismo na Infância.
I. O Horror ao Incesto
Freud inicia apresentando algumas características da vida dos aborígenes australianos: são os selvagens mais miseráveis e atrasados que não constroem casas, não cultivam o solo, não criam animais domésticos (com exceção do cachorro), vivem apenas da carne dos animais que caçam e das raízes que arrancam, ou seja, são muito primitivos e possuem aparentemente muito pouco refinamento em suas vidas. Argumenta então que não era de se esperar que esse povo tivesse grandes restrições ao comportamento sexual. O fato é que as restrições existem e visam impedir o incesto com grande rigor. Entre os aborígenes, o totemismo ocupa o lugar das religiões e das instituições sociais. A estrutura social ocorre assim: uma tribo está subdividida em grupos menores, chamados clãs e cada clã tem seu totem. O totem geralmente é um animal, mas também pode ser um vegetal ou um ser inanimado ou um fenômeno, como a chuva. O totem é considerado um antepassado do clã e um espírito que o guia e ajuda. O clã, em troca, está proibido de comer o totem (quando é um animal). De tempos em tempos, festas são celebradas em que os movimentos do totem são imitados em danças cerimoniais. A relação do indivíduo com o seu totem é a base das relações sociais e se sobrepõe a relações consanguíneas.
O totem é transmitido por filiação, que pode ser tanto materna quanto paterna, sendo a transmissão materna a mais antiga. O clã se identifica com o totem e se autonomeia com o nome de seu totem. Assim, um homem do clã “canguru” ao se casar com uma mulher do clã “emu” terá filhos que pertencerão ao clã “emu”, se a linhagem de transmissão do totem for materna.
E em quase todos os lugares onde existem totens, ocorre também a exogamia, que é a proibição de relações sexuais entre membros do mesmo totem. A obrigação é extremamente severa, e a punição contra quem infringe essa regra normalmente é a morte. As obrigações ocorrem na forma de um tabu. Tabu é aquilo que é proibido e cuja proibição ninguém questiona ou tenta compreender. No caso citado do homem do clã “canguru”, o tabu não o impede de ter relações sexuais com suas filhas, mas impede que o filho tenha relações sexuais com a mãe, por pertencer ao mesmo clã dela.
Freud chama atenção ao fato de que nada prevê que a regra contra as relações sexuais dentro do totem seria deduzida do sistema totêmico e nota que, sempre que se observa o totemismo, se observa também esse tabu. O autor nota que em tribos divididas em fratrias e subfratrias, o tabu das relações sexuais dentro do totem faz com que o número de mulheres disponíveis para casamentos seja muito reduzido. Cita também um conjunto de regras que são seguidas e que impedem o próprio contato entre um homem e uma mulher do mesmo totem. Por exemplo: o menino, quando chega uma determinada idade, deve se afastar da casa dos pais. Eventualmente pode vir pedir comida, mas se uma irmã estiver em casa, terá que ir embora antes de comer (p.29). Se estiver caminhando numa estrada e sua irmã estiver vindo, ele deverá fugir e se esconder na mata. Essas e outras regras impedem o contato e diminuem a possibilidade de que o incesto ocorra.
II. Tabu e Ambivalência Emocional
O significado original da palavra tabu era ao mesmo tempo o de algo sagrado, proibido, impuro, misterioso, perigoso. Além de ser uma proibição muito forte, diferente da proibição religiosa porque não emana de uma divindade, mas se impõe por si própria. As proibições são aceitas como naturais para os membros da tribo, embora pareçam sem sentido para nós.
Os objetivos do tabu são vários: a proteção de pessoas importantes, assim um rei é um tabu e não pode ser tocado por inferiores; a proteção dos fracos (mulheres e crianças) contra o poder de sacerdotes e chefes; proteção contra o contato com cadáveres ou determinados alimentos, etc. Ou seja, o tabu estabelece regras que devem ser seguidas para a vida social ocorra sem problemas. É um sistema de regras sociais.
“A violação de um tabu transforma o próprio transgressor em um tabu” (p.40). Assim, alguém que entra em contato com um tabu automaticamente se torna um tabu e deve ser evitado por todos os outros. Freud comenta que essa evitação talvez possa ser necessária para que a contaminação não ocorra de um transgressor a outro e que ele não sirva de exemplo a ser seguido. Os tabus sobre animais consistem em proibições de matá-los e consumi-los. Esses tabus são o centro do totemismo. Os tabus dirigidos a seres humanos sou de outro tipo e podem ser temporários. Assim, um rapaz é tabu quando estiver em sua cerimônia de iniciação; a mulher, durante a menstruação e após o parto; a propriedade de um homem que faz uso constante dela é um tabu permanente para todos os outros homens.
Freud faz um paralelo entre as proibições dos tabus e as proibições que ocorrem em neuroses obsessivas: são destituídas de motivo ou sua origem é misteriosa. As proibições obsessivas, tento surgidas “num momento não especificado, são forçosamente mantidas por um medo irresistível” (p. 46). Qualquer coisa que promova o contato do paciente obsessivo com o objeto proibido se torna perigoso, mesmo seu pensamento. Freud mostra que a proibição pode sofrer deslocamentos de um objeto para outro e cita, o caso de um chefe maori que não sopraria o fogo com a boca porque o sopro comunicaria sua santidade ao fogo, que a passaria para a panela e dela para o alimento e todos que o comessem. No caso de neurose obsessiva, cita uma paciente cujo marido comprou um objeto doméstico e o levou para casa. Acontece que o objeto foi comprado em uma rua que tinha o mesmo nome de uma antiga amiga que no momento estava “impossível” ou proibida e, portanto, o objeto deveria ser tirado da casa imediatamente, porque também estaria “impossível”. Freud identifica na história clínica dos obsessivos, um sentimento ambivalente em relação ao objeto proibido: o obsessivo ao mesmo tempo sente uma conexão muito forte com o objeto e ao mesmo tempo o detesta. “O tabu é uma proibição primeva forçosamente imposta (por alguma autoridade) de fora, e dirigida contra os anseios mais poderosos a que estão sujeitos os seres humanos. O desejo de violá-lo persiste no inconsciente; aqueles que obedecem ao tabu têm uma atitude ambivalente quanto ao que o tabu proibe.” (p. 54).
Entre as ambivalências dos povos primitivos, Freud cita o tratamento dos inimigos. Alguns povos transformam seus inimigos, depois da morte, em seus protetores e amigos, por exemplo, tratando a cabeça decepada de seus inimigos com carinho. Isso seria um ato de apaziguar o inimigo e também de se purificar pela morte, que é considerada um tabu. A ambivalência também ocorre com relação aos governantes, que em geral são tabu. “Em algumas partes da África Ocidental quando um rei morre, um conselho de família se reúne secretamente para determinar seu sucessor. Aquele sobre o qual a escolha recai é subitamente aprisionado, amarrado e atirado na casa-dos-fetiches, onde é mantido encarcerado até consentir em aceitar a coroa.” (p. 67-68).
O tabu sobre os mortos é muito forte nos povos primitivos e se manifesta no contato com os cadáveres, que tornaria o indivíduo impuro e um tabu, sendo assim afastado do convívio do resto da comunidade. O tabu também existe em relação ao nome dos mortos, que não deve ser citado. Para os selvagens, o nome é parte essencial do indivíduo e por isso o nome de um morto não deve ser citado. O mesmo acontece com os neuróticos obsessivos: são extremamente sensíveis ao citar determinados nomes ou palavras.
III. Animismo, Magia e a Onipotência dos Pensamentos
Freud diz que, segundo autoridades no assunto, a raça humana desenvolveu três desses sistemas de pensamento ou representações do universo: animista ou mitológica, religiosa e científica. Destas, o animismo – a doutrina dos seres espirituais em geral – foi o primeiro a ser criado e acredita que seja o mais coerente, completo e o que dá uma explicação verdadeiramente total da natureza do universo. O animismo não é ainda uma religião mas contém as bases sobre as quais as religiões irão ser criadas.
IV. O Retorno do Totemismo na Infância
Freud lista 3 teorias para explicar a origem do Totemismo: a nominalista, a sociológica e a psicológica.
Segundo a teoria nominalista: o totemismo teria surgido como necessidade de um clã se distinguir dos demais, primeiro através de um nome. Cita Max-Muller: “O totem é a marca do clã, depois um nome de clã, depois o nome do ancestral do clã e, finalmente, o nome de algo adorado por um clã” (p. 136). Freud considera a interpretação de Andrew Lang como a que merece mais atenção: de alguma maneira, os clãs passaram a usar nomes de animais. Num determinado momento, tomaram consciência do nome, sem saber o motivo para tê-los adotado anteriormente e, considerando os nomes importantes, passaram a acreditar que o uso do nome de um animal estava ligado a um vínculo misterioso e significativo com esse animal. E Freud pergunta: que vínculo poderia ser esse senão o sanguíneo?
Segundo a teoria sociológica, o totemismo seria uma manifestação das relações sociais. Para Durkheim, o totem é o representante visível das religiões sociais e corporifica a comunidade. Para Haddon, cada clã ou comunidade inicialmente subsistia com um animal ou vegetal, que com o tempo passou a ser usado como meio de troca com outros clãs, e daí vem sua associação com o animal ou vegetal. O clã estaria intimamente ligado ao animal ou vegetal e teria muito interesse nele, interesse que inicialmente não era psicológico, mas prático: a fome. Fazer se opõe a essa ideia de origem do totem no alimento, porque os primitivos são onívoros, e por não achar fácil concluir que uma atitude religiosa com relação ao totem poderia ter surgido de sua alimentação exclusiva.
Uma das teorias de Frazer era psicológica e estava baseada na crença de que existia uma alma externa aos indivíduos do clã, e ela poderia se refugiar no totem. Por isso, o totem era protegido como receptáculo onde a alma estaria protegida. Franz Boas e outros pensadores, baseando-se em observações de tribos norte-americanas, acreditam que a origem do totemismo está relacionada à crença de que o totem era um antigo espírito guardião de um membro do clã, que o adquiriu em sonho e o transmitiu a seus descendentes. Wundt propõe que a origem do totemismo está ligada à crença nos espíritos, pois os totens mais antigos eram animais como pássaros, serpentes, camundongos, animais rápidos e que seriam receptáculos para almas que abandonaram o corpo.
Freud mostra que o totem e a exogamia são vistos sob dois pontos de vista opostos (p. 146): num, a exogamia é parte inerente do sistema totêmico; outro, nega essa relação e considera um acaso a convergência que existe entre a exogamia e o totemismo. Durkheim sustentava que totem e exogamia estavam ligados no sentido de que o totem é do mesmo sangue, e a proibição de relações sexuais dentro de seu totem impediriam o derramamento de sangue (defloração). McLennan viu a exogamia como resquício de uma prática primitiva de conseguir mulheres para casamento por meio de captura. Outros vêm a exogamia como uma prevenção contra o incesto.
Freud argumenta que é insatisfatório explicar a exogamia pela ideia de horror ao incesto, pois observa que o incesto não é muito incomum e que, em alguns casos, chegou a ser uma regra. Seria improvável que algo instintivo como um horror ao incesto necessitasse de uma lei ou regra (tabu) para impedi-lo. E acrescenta que, pela teoria psicanalítica, os primeiros impulsos sexuais são de caráter incestuoso. Com relação ao provável dano aos descendentes, Darwin já havia dito que era improvável que os selvagens se preocupassem com os perigos do incesto para a descendência. E, comparando com o que observou de outros primatas que vivem em pequenos grupos de um único macho com várias fêmeas, onde esse macho expulsa qualquer outro, acredita que a endogamia originalmente era impedida pela competição entre os machos. Assim, haveria a exogamia para os jovens do sexo masculino. Com o tempo, essa prática se tornaria uma lei: "nenhuma relação sexual entre os que partilham de um lar comum" e, por fim, na lei “nenhuma relação sexual dentro do totem”. Existem teorias que propões que a exogamia é uma decorrência das leis totêmicas, enquanto outras consideram a exogamia mais antiga que o totem.
A relação das crianças com os animais para Freud é semelhante à relação que um primitivo teria com os animais, no sentido de que se consideram semelhantes. Freud nota que às vezes uma criança desenvolve uma fobia animal, geralmente um animal com o qual mantinha proximidade ou interesse particular. Em alguns casos, a fobia em relação ao animal, no caso de meninos, era um deslocamento de um sentimento em relação ao pai. Em um relato de um garoto chamado Arpád (p. 157), descrito por Ferenczi, Freud cita a relação ambivalente do garoto com um animal (uma galinha). Aos cinco anos de idade, gostava de matar galinhas, dançando em volta das galinhas mortas por horas a fio, para depois acariciá-las, alisá-las e beijá-las. O interesse pelo que se passava no galinheiro estava relacionado ao comportamento sexual entre galos e galinhas, havendo uma identificação do menino com o galo (seu animal totêmico), quando diz que vai se casar com a vizinha, com as irmãs, com as três primas e com a mãe.
Religião como comunhão social
Utilizando uma obra de William Robertson Smith, Religion of Semites, Freud descreve o ritual do altar como característica das antigas religiões. O sacrifício seria um ato de companheirismo entre os adoradores e a divindade. Era oferecido à divindade as mesmas coisas das quais os adoradores se alimentavam. A oferenda seria um alimento oferecido à divindade. Antes que houvesse agricultura, a carne teria sido o alimento oferecido. Posteriormente, frutas e vegetais passaram a fazer parte da oferenda. Numa época em que a divindade se tornou mais imaterial, um alimento material era um empecilho e foi aos poucos sendo substituídos por fogo, fumaça e, por fim, por líquido: no início sangue da vítima animal e depois vinho. O sacrifício era uma cerimonia pública em que todos compareciam e que se sobrepunha aos próprios interesses, e era símbolo e confirmação da importância do companheirismo e das obrigações sociais mútuas. No sacrifício, estava implícita a semelhança entre adoradores e divindade: ambos comem. Freud cita que em alguns grupos árabes que vivem no deserto ainda hoje, o vínculo que existe numa refeição em comum não é um ato religioso, mas o próprio ato de comer. Esse ato faz a união, pelo menos durante o tempo em que o alimento permanecer no corpo.
Com relação à morte de um animal, Freud diz que não há reunião de um clã sem um sacrifício animal (p.163). A morte de um indivíduo é ilegal e só pode ser permitida se todo o clã compartilhar da responsabilidade do ato. Sua própria carne e sangue, que serão consumidos no sacrifício, é o vínculo entre todos os indivíduos do clã, e entre eles e sua divindade. O animal sacrificado era parte do clã. A morte e a ingestão periódica do totem no cerimonial de uma refeição totêmica seria parte importante da religião totêmica.
A cerimônia da refeição totêmica é a celebração de uma matança cruel de um animal que é sagrado: o seu totem. Os membros do clã estão vestidos como seu totem, imitando-o em gestos e sons enquanto devoram sua carne e seu sangue crus. Ao consumirem o totem, adquirem santidade, ao incorporarem parte do corpo do totem do qual a vida sagrada faz parte, e reforçam assim sua identificação com ele e uns com os outros, na medida que todos participam. O ato é proibido e cada membro do clã sabe que só pode fazer isso porque está fazendo junto com todos os outros membros. E todos são obrigados a participar e a comer, ninguém pode se ausentar. Quando a refeição termina, o animal morto é lamentado, e o luto é obrigatório, ao mesmo tempo em que existe a festividade, que representa a liberdade de fazer aquilo que seria proibido em outras situações.
Interpretação psicanalítica da refeição totêmica
A visão psicanalítica encara o totem como um símbolo do pai, onde ocorre uma atitude emocional ambivalente em relação a ele. Unidos, os irmãos que um dia foram expulsos, voltam unidos, matam e devoram o pai. Tiveram força e foram bem-sucedidos porque o fizeram juntos. O pai primitivo teria sido violento e ao mesmo tempo motivo de inveja e modelo para cada um dos irmãos. Ao venerá-lo, todos se identificam com ele e adquirem parte de sua força. O pai era um impedimento a seus desejos de poder e desejos sexuais, mas também o admiravam. Após terem se livrado dele, acaba o ódio e sobra a admiração que antes também sentiam, então o sentimento surge na forma de remorso para todos, e o pai morto se torna mais forte do que quando estava vivo. O que antes era proibido pela existência do pai, passa agora a ser proibido pelos próprios filhos: anulam o próprio ato que cometeram ao proibir a morte do totem, e renunciam ao que ganhariam com a morte dele, ao abrir mão de todas as mulheres. Criaram, a partir do sentimento de culpa, os dois tabus fundamentais do totemismo:
- não matar o totem
- não ter relações sexuais com membros do próprio totem
Esses são os dois desejos reprimidos dentro do Complexo de Édipo. Eles teriam sido o início da moralidade humana. O tabu de não matar o totem é emocional e se origina do fato de que não há como voltar atrás depois do ato de matar ter sido realizado. O outro tem uma origem prática: os desejos sexuais não provocam união, mas afastam os homens na disputa pelas mulheres. Cada irmão iria querer ter todas as mulheres para si, como o pai tinha. Isso geraria uma luta de todos contra todos, e a única possibilidade da existência do clã passaria ser a proibição das relações incestuosas. Assim, a refeição totêmica seria uma repetição de um ato que deu início à religião, às restrições morais e à organização social. Como primeira tentativa de religião, o totemismo se baseia no primeiro tabu: não tirar a vida do animal totêmico.
O animal (o totem) passou a substituir o pai. Com ele, os filhos podiam ter uma relação que diminuía o sentimento de culpa e obter uma reconciliação com o pai morto. O totemismo prometia tudo que a imaginação infantil espera: proteção, cuidado e indulgência. Assim, o totemismo amenizou a situação e fez com que fosse esquecido o fato que deu sua origem.
Para Freud, todas as religiões posteriores tentam resolver o mesmo problema: apaziguar a culpa filial. Dessa forma, a proibição de matar o totem (matar o pai), se tornou também a proibição de que nenhum dos irmãos fosse tratado como trataram o pai, o que se tornou uma proibição contra o fratricídio, e essa chegou até nós de forma mais generalizada como o “Não matarás”.
Palavras-chave: antropologia, totemismo, incesto, totem, tabu, religião, psicanálise, complexo de édipo.
Esse texto foi uma resenha que eu apresentei para a disciplina de Antropologia Cultural, do Prof. Carlos Machado Dias Jr., em fevereiro de 2017, no curso de Psicologia da UFAM.
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