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Serotonina não seria explicação para a depressão

22/07/2022
Estrutura da Serotonina (5-(hai)tryptamine; 5-HT)

Artigo na revista Molecular Psychiatry, da Nature1 publicado nesta semana derruba hipótese de que depressão seria causada por desequilíbrio químico da serotonina no cérebro.

Os autores iniciam o artigo explicando as origens da ideia de que níveis baixos de serotonina seriam os responsáveis pela depressão. Essa ideia surgiu nos anos 19602 e foi amplamente divulgada nos anos 1990 com a chegada dos inibidores seletivos de recaptação de serotonina, os ISSR. Algumas referências citadas sobre a publicidade feita dos ISRS não estão mais disponíveis, como o site do Paxil XR (2006) ou o site do Prozac (2009). Com relação ao ensino de psiquiatria, o artigo aponta que os livros texto em língua inglesa ainda apoiam essa teoria, citando como exemplos o Manual Compreensivo de Psiquiatria de Kaplan e Sadock (2017) e o Novo Manual de Psiquiatria de Oxford (2020).

Quanto à percepção sobre a teoria do desequilíbrio da serotonina, os autores encontraram levantamentos que mostram que 80% ou mais do público em geral nos Estados Unidos3 e na Austrália4 acredita que a depressão é causada por um desequilíbrio químico.

Mas "Apesar do fato de que a teoria da depressão da serotonina tenha sido tão influente, nenhuma revisão abrangente ainda sintetizou as evidências relevantes". Dentro desse contexto, os autores fizeram uma revisão guarda-chuva de pesquisas sobre o papel da serotonina na depressão, "seguindo o modelo de uma revisão semelhante examinando biomarcadores prospectivos de transtorno depressivo maior".

"Sugerimos que é hora de reconhecer que a teoria da serotonina na depressão não é fundamentada empiricamente"

A conclusão que os autores chegaram é de que não existe evidência convincente de que o desequilíbrio químico da serotonina é a causa da depressão. Nas palavras dos autores: "Esta revisão sugere que o esforço imenso feito sobre a hipótese da serotonina não produziu evidência convincente de uma base bioquímica para a depressão. Isso é consistente com pesquisa em muitos outros marcadores biológicos. Sugerimos que é hora de reconhecer que a teoria da serotonina na depressão não é fundamentada empiricamente".

Eu acho marcante que esses resultados tenham sido publicados por uma revista reconhecida como a Nature. Não sei se suficientemente forte para ser um contrapeso ao poder de influência da indústria farmacêutica, mas eu acredito que suficiente para abrir o debate. Afinal, evidências fortalecem os fatos científicos, e os autores mostraram que não existem muitas nesse caso.

A bula da fluoxetina, um antidepressivo muito comum, diz que ela "é um inibidor seletivo da recaptação da serotonina, sendo este seu suposto mecanismo de ação". Se a gente pensar que os antidepressivos são amplamente receitados e que não existe a evidência que justificaria seu uso, como mostra o artigo da Molecular Psychiatry, isso nos coloca algumas questões:

  • se a serotonina não explica a depressão, ainda podemos manter a ideia de que há um desequilíbrio químico na base da depressão?
  • não sendo causado pela serotonina, se esse desequilíbrio realmente existir e for a causa da depressão, qual a molécula desse desequilíbrio?
  • se os manuais de psiquiatria publicados nos Estados Unidos e na Inglaterra e que depois são traduzidos e usados aqui no Brasil ensinam uma teoria que não tem validade, que tipo de ensino está acontecendo nos cursos universitários que usam esses manuais?

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Referências:

1 Moncrieff, J.; Cooper, R.E.; Stockmann, T.; AMENDOLA, S.; HENGARTNER, M.P.; HOROWITZ, M. The serotonin theory of depression: a systematic umbrella review of the evidence. Mol Psychiatry (2022). https://doi.org/10.1038/s41380-022-01661-0

2 Coppen A. The biochemistry of affective disorders. Br J Psychiatry. 1967;113:1237–64.

3 Pescosolido BA, Martin JK, Long JS, Medina TR, Phelan JC, Link BG. "A disease like any other"? A decade of change in public reactions to schizophrenia, depression, and alcohol dependence. Am J Psychiatry. 2010 Nov;167(11):1321-30. doi: 10.1176/appi.ajp.2010.09121743. Epub 2010 Sep 15. PMID: 20843872; PMCID: PMC4429867.

4 Pilkington PD, Reavley NJ, Jorm AF. The Australian public's beliefs about the causes of depression: associated factors and changes over 16 years. J Affect Disord. 2013 Sep 5;150(2):356-62. doi: 10.1016/j.jad.2013.04.019. Epub 2013 May 18. PMID: 23688917.

Tags: depressão, neurociência

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