A publicação do artigo de Moncrieff et. al. do mês de julho, que eu comentei aqui, tem impulsionado o questionamento sobre a eficácia dos antidepressivos. Um artigo da edição de 30 de setembro da Newsweek1, cujo título é "Vício em alta"2, traz a discussão para um público maior, fora da academia. De acordo com a revista, apenas 15% dos americanos que tomam antidepressivos da classe dos inibidores de recaptação seletiva de serotonina - ISRS - obtém algum benefício da droga, indicando que esses antidepressivos são eficazes apenas para as depressões extremamente severas. Em 85% dos casos, não há ganhos, mas há o prejuízo do vício: atualmente se sabe que é muito difícil abandonar o uso dos ISRS depois de um período de 2 anos ou mais de tratamento.
"Alguns pacientes podem permanecer usando ISRS simplesmente para evitar os sintomas de abstinência, dizem alguns especialistas"
Mark Horowitz, um dos autores do trabalho publicado em julho, pesquisador do King's College London, passou 15 anos tomando um antidepressivo chamado Lexapro. Quando tentou parar com o medicamento, passou a ter ataques de pânico, disrupção de sono e o retorno de uma depressão multo debilitante, sintomas que ele disse que foram muito piores do que aqueles que ele tinha antes de iniciar a tomar o antidepressivo.
"As companhias farmacêuticas nos convenceram de que se você está triste, você deveria ir ao médico e procurar tratamento," Horowitz contou a Newsweek. "eles nos fizeram todos acreditar que aspectos normais da condição humana são uma doença médica chamada transtorno depressivo maior—que reações normais a situações difíceis são um problema químico no cérebro que precisa de uma solução médica. Eles convenceram as pessoas que essas são drogas 'suaves' e que são muito fáceis de parar. Nada disso é verdade."3
Uma informação importante nesse artigo sobre o processo de aprovação de novas drogas pelo FDA, a "Anvisa" americana: o laboratório tem que enviar "dois ensaios clínicos bem desenhados" que demonstrem que a droga tem um efeito mais potente que um placebo, mas não há regras que limitem o número de ensaios falhos. Ou seja, se for preciso ao laboratório fazer 100 ensaios em que em apenas 2 deles a droga é superior ao placebo, isso não é problema, e a droga receberia aprovação do FDA! Os ensaios clínicos são publicamente divulgados, mas nem o FDA nem o laboratório divulgam o número de ensaios clínicos em que não houve evidência de que a droga foi melhor que o placebo.
Eu notei e achei interessante que nesse artigo da Newsweek existe um link para uma outra reportagem3, associando a psilocibina, a droga do "cogumelo mágico", como a nova descoberta contra a depressão, desde o Prozac. Parece que, quando os ISRS caírem em desgraça, haverá novas drogas para alimentar a indústria farmacêutica. O marketing já está sendo feito.
Param quem quiser se aprofundar um pouco mais no assunto, Joanna Moncrieff e Mark Horowitz, autores do artigo na Molecular Psychiatry, e Irving Kirsh, da Universidade de Harvard, se reuniram no início desse mês para discutir o mito do desequilíbrio químico que causa a depressão. O vídeo está disponível no YouTube:
Referências:
1 Newsweek. Hooked on hype. Disponível em: https://www.newsweek.com/2022/09/30/antidepressants-work-better-sugar-pills-only-15-percent-time-1744656.html. Acesso em: 23 set. 2022.
2 Eu tive alguma dificuldade em fazer a tradução desse título. Hype significa exagero, então o título poderia ser "Viciados no excesso", mas nas redes sociais aquilo que aparece muito, que viraliza, que fica "hypado" me levaria a traduzir como "Viciados na moda" [de se medicar], ou "A onda do vício". Enfim, eu não sou tradutor e tentei fazer o meu melhor e por isso eu deixo aqui essas observações. Se alguém quiser colaborar, me esclarecer ou propor uma outra tradução, é só entrar em contato.
3 "The drug companies convinced us that if you're sad, you should go to your doctor and seek treatment," Horowitz told Newsweek. "They've made us all believe that normal aspects of the human condition are a medical illness called major depressive disorder—that normal reactions to difficult situations are a chemical brain problem that needs a medical solution. They convinced people these are very 'mild' drugs that are very easy to stop. None of this is true."
4 Newsweek, out. 2021. Magic mushrooms may be the biggest advance in treating depression since Prozac. Disponível em: https://www.newsweek.com/2021/10/01/magic-mushrooms-may-biggest-advance-treating-depression-since-prozac-1631225.html. Acesso em: 23 set. 2022.
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